O grupo de Fulbrighters que está agora nos Estados Unidos sem dúvida assiste de perto a um momento peculiar da história norte-americana com a eleição de Donald Trump à presidência. Em Nova York, minha cidade de residência, historicamente democrata, o clima era de consternação e revolta após o resultado.
Um dia depois do anúncio da vitória de Trump, eu fui a um workshop sobre ações de equidade racial e justiça social no Queens College, que é um dos campi da City University of New York (CUNY), onde estou alocada como pesquisadora visitante. A ministrante, Dra. Caty L. Royal – mulher, negra e acadêmica – não pôde começar o workshop sem falar sobre a eleição, assunto que estava na boca de todos presentes.
Então ela disse algo assim: “Esta não é a primeira vez que esse país será dirigido por conservadores. Na verdade, isso ocorreu em grande parte da nossa história. Por isso hoje eu não vou chorar. Eu vou levantar a cabeça e continuar pensando, atuando e incomodando”.
Depois, completou, mais ou menos assim: “Vocês acham que porque eu sou doutora tudo mudou? Há pouco tempo eu entrei num prédio e quando eu fui me anunciar na recepção me mandaram para a cozinha. Mas eu não desisto de lutar, eu sigo em frente”. E assim esta brava mulher foi merecidamente aplaudida por jovens das mais diferentes origens étnicas e sociais, grande parte deles com lágrimas se equilibrando nos olhos.
Enquanto Dra. Caty falava, eu refletia sobre os Estados Unidos, mas especialmente pensava no meu próprio país. Eu deixei o Brasil exatamente no dia em que o impeachment da presidente Dilma Roussef se concretizou. E quem achou que seria apenas uma troca de governo não poderia estar mais enganado. Independentemente de posições políticas, muita coisa mudou e ainda vai mudar para todos nós.
Todo Fulbrighter precisa pensar na volta, afinal, a gente vive essa experiência de intercâmbio acadêmico já com data certa para retornar. Mas talvez para o grupo que está aqui neste momento refletir sobre isso seja algo mais recheado de tensões.
Ontem recebemos a notícia de uma profundamente triste tragédia aérea que ceifou a vida de esportistas e jornalistas. Enquanto o país vivenciava esse luto, na calada da noite, nossos políticos estavam trabalhando, porém, não para nós, mas sim contra nós. Manifestações populares tomam as escolas, as universidades e as ruas e são não só reprimidas com violência, mas sobretudo ignoradas em seu valor constitucional.
Meu marido outro dia me relembrou de uma frase: “Libertei mil escravos. Podia ter libertado outros mil se eles soubessem que eram escravos”. A fala é atribuída à abolicionista norte-americana Harriet Tubman. Com essa frase ecoando em minha mente, sigo hoje entristecida, entretanto, atuando, pensando e, sobretudo, esperando incomodar bastante.
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